sexta-feira, 5 de junho de 2015

Deus escreve certo, e nos surpreende

Ontem, só pra variar, me atrapalhei com o relógio e saí atrasada de casa para a procissão de Corpus Christi. Estava fechando o portão quando um ônibus para o centro passou do outro lado da rua, e não deu tempo de correr para pegá-lo. Paciência! O próximo ônibus só passou às 15h, horário em que estaria começando a Missa, na Catedral, e eu certamente chegaria no mínimo 20 minutos atrasada. Mas as coisas acontecem no tempo certo...
Depois que eu embarquei, na próxima parada entrou uma senhora, apoiada em uma bengala, perguntando se o ônibus iria até a Catedral. O motorista respondeu que não, e eu avisei que não se preocupasse, porque eu também estava indo pra lá e a ajudaria a chegar. O motorista parou no meio da quadra, muito antes da última parada, pra nos deixar mais perto (se eu tivesse pego o primeiro ônibus não teria a mesma sorte, e teria que caminhar muito mais, vale registrar) e lá fui eu conduzindo a senhora que com muito fôlego me contou que já tinha 90 anos, e quando eu perguntei se não tinha medo de ir sozinha à procissão, me disse: claro que não, eu nunca estou sozinha, vou eu e meu anjo da guarda.
Eu saí de casa pensando na possibilidade de voltar assim que acabasse a Missa, sem acompanhar a procissão, porque, dependendo do horário que acabasse, poderia ser perigoso voltar pra casa sozinha, por um caminho que eu não conhecia, ainda mais depois de ter escurecido. Mudei de ideia e nem preciso dizer o porquê.
Terminada a Missa, saímos em procissão, eu e a Dona Ari ao meu lado. Durante todo o percurso, entre muitas outras coisas, lembrei que da primeira vez que fui à procissão de Corpus Christi em Porto Alegre, em 2013, me senti muito angustiada, porque era estranho estar no meio de toda aquela multidão onde eu não conhecia ninguém. Sentia falta da cidade onde todos se conhecem. Mas dessa vez foi diferente. Às vezes ela caminhava apoiada só na bengala, mas por vários momentos, aquela senhora segurava a bengala com uma mão, e com a outra segurava a minha. Quem via pensava que eu estava apoiando seus passos, mas eu sabia que ela é quem também estava apoiando os meus.
Em vários momentos ela me dizia o seguinte: minha filha, se outro dia tu me enxergares na rua e eu não te vir, tu me chama, “vó”, e eu vou saber que é tu, porque vou reconhecer tua voz. E toda vez que ela me olhava com um sorriso enorme, como se tivesse um espírito de 20 anos em um corpo de noventa, eu sentia, mais uma vez, que Deus se manifesta das formas mais incríveis, e que é preciso estar em comunhão com Ele pra sentir.
Terminada a procissão, fizemos o caminho de volta e, quando chegamos na parada, o ônibus dela já estava ali. Corri pra que o motorista a esperasse e, embarcando no ônibus, ela me atirou um beijo e mais uma vez repetiu: se tu me vir na rua, me chama que eu vou saber que és tu.
Na procissão de Corpus Christi Deus caminha com a multidão. E naquela tarde eu senti que Deus caminhava comigo, e que enquanto Ele estiver caminhando conosco, não há como se sentir sozinha, e tão pouco ter medo de caminhar, por mais escuro que esteja.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

No meio do caminho

Lembrando do Jorge Bita e de uma de suas teorias sobre a vida e os seus rumos. Lembro dele explicando e desenhando no ar: "Daiane, a vida da gente é como um círculo". E ele explicava mais ou menos isso: às vezes estamos lá em cima e tudo vai muito bem, mas, como se trata de um círculo, não há como se manter sempre lá em cima. Às vezes estamos lá em baixo, e da mesma forma, não ficaremos ali. Às vezes estamos no meio, entre a extremidade alta e a baixa. Aqui sabemos que vamos cair ou levantar. É preciso ter sabedoria para aprender e viver cada um desses momentos, por mais difícil que seja se reconhecer em uma extremidade que não seja o topo do círculo.

Da teoria dele e da minha pouca experiência, sei que quando estamos "no caminho do meio", é preciso fazer essa bola girar. Seja com um vento que a faça seguir outra rota, ainda que no mesmo campo, seja com um chute que a leve pra outro canto.

Saudade do Bita. Aquele amigo que sabia reconhecer as angústias da gente pelo olhar. E dava os melhores conselhos do mundo.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

...!

Hoje me dei conta de que sempre uso muito ponto de exclamação. É exclamação no post do face, no comentário do post de alguém, no whats, no torpedo. E quando um não basta, taco-lhe logo três ou mais. Meus amigos que o digam.
No início do Ensino Fundamental, aprendi que o ponto de exclamação deveria ser usado para expressar uma emoção. Para dar intensidade ao que estava sendo dito.
A gramática que tenho aqui em casa diz que ele serve para marcar "pausa indicativa de um estado emotivo ou intenção". E essa tarefa ele divide com o ponto de interrogação e as reticências. Nesses casos, o ponto final não serve. Não serve porque a função deste é indicar "o término do discurso".
Tá aí, deve ser por isso que uso tanta exclamação! Tenho mesmo dificuldade para encerrar as coisas, para pôr um ponto final como manda a gramática e diz o ditado. Gosto mesmo é de expressar emoção quando leio uma frase bonita, quando felicito alguém, para contar algo maravilhoso que acabou de acontecer, ou que parece estar a caminho. Deixar uma pergunta no ar, por que não? Uma brecha pra que o outro diga algo bom de ler ou ouvir, pra que pense o que quiser sobre o que eu disse... Ou ainda pra comemorar, dizer, ainda que escrevendo, que estou feliz, empolgada!!!
Aqui tô abusando do ponto final, mas é porque aprendi que pro texto ficar claro, objetivo, deve ter frases curtas, mas é só por isso. Colocar ponto final não é tão simples quanto parece. No português ele está ali bonitinho. É o que menos dá trabalho pra usar. Com ele não tem erro, ao contrário da vírgula, que se mal colocada, causa um estrago tremendo.
Apesar disso, prefiro os discursos que não encerram por completo. O destino pode reservar tantas surpresas! E um ponto final pode impedí-las de entrar no teu texto...

sábado, 19 de outubro de 2013

Praticando o desapego

Foto: Luciene Machado
Hoje à tarde fui à feirinha que a Lu e outras mães do condomínio onde ela mora organizaram, pra que as crianças pudessem vender e trocar as coisas que não usam mais. Tinha de tudo um pouco: brinquedos, livros, gibis, figurinhas, joguinhos. Tudo muito bem organizado em mesas onde cada um dos comerciantes mirins se desfazia de seus pertences com o maior gosto e por preços irrisórios, quase simbólicos.
Alguns usavam o resultados das vendas pra comprar na barraca dos colegas. Outros, juntavam a grana arrecadada pra comprar um brinquedo novo e muito desejado.

Depois de garimpar uma boneca e uns livros pra Cecília, minha afilhada e para o João Vitor, meu primo, fiquei sentada observando a movimentação. Vendo aquelas crianças tão animadas com a tarefa, fiquei pensando no quanto seria difícil pra mim fazer aquilo. Se eu tivesse que participar de uma feira dessas a minha barraca seria uma das mais vazias. Não que eu não tenha muitas coisas pra me desfazer não. Tenho um monte de quinquilharia que eu guardo há anos. Muitas delas não uso pra nada e com certeza alguém encontraria uma utilidade, nem que fosse pra reciclar. O problema é que eu tenho uma dificuldade tremenda pra praticar o desapego.

Depois de engordar uns 20 quilos, guardei uma pilha de calças da época em que estava mais magra porque com certeza quando emagrecesse iria querer usá-las. Emagreci os 20 quilos e, além de não querer mais aquelas, não consigo me desfazer das calças enormes que eu não pretendo engordar nunca mais pra usar. Vê se pode! Eu deveria ter vergonha de dizer isso. E tenho, tanto que depois que terminar de escrever vou ali arrumar meu guarda-roupa e não me darei por satisfeita enquanto não encher uma sacola. Eu prometo.
Não tenho todos os meus brinquedos guardados, mas lembro de uma vez em que me arrependi, depois de ter dado com a maior empolgação umas bonecas com as quais não brincava mais. Eu guardo desde anel vagabundo que de prateado ficou rosa a caixa de leite que, um dia quem sabe, eu possa querer usar pra montar um pufe. É quase inacreditável. Freud deve explicar, mas amanhã eu trato disso. O importante é que hoje as crianças ficaram felizes com suas vendas, lugares a mais nas estantes e brinquedos novos. E eu com os presentes que vou dar pros meus pequenos.

Mas o mais importante é o quanto eles devem ter aprendido com tudo isso. E eu também.

Agora vou lá me exercitar com a arrumação do guarda-roupa porque comi um pouco a mais neste final de semana, e pode parecer que estou com pena de me desapegar até dos meus quilinhos a mais. E esses eu dispenso com o maior prazer.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Show do Oswaldo Montenegro

Momento inesquecível. Foto: Mogar Mirada
Ouvir Oswaldo Montenegro é mais que uma experiência auditiva, é sensorial! E ao vivo, é quase indescritível. Quando as lágrimas brotam, o riso escancara e a vontade de cantar junto é quase incontrolável, a euforia toma conta da gente. Ele tem o poder de causar isso, tudo ao mesmo tempo. E melhor que escolher entre qualquer uma dessas vontades, é fechar os olhos e sentir, e se deixar levar por aquela voz única tomando conta da gente. Com certeza esta foi uma das minhas melhores experiências. Eu sabia que seria assim. E não me decepcionei.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A vida inteira pela frente

Pelotas perdeu duas moradoras nesta quinta-feira. Duas mulheres que teoricamente teriam "uma vida inteira" pela frente. Jovens que só queriam fazer mais uma atividade do dia a dia ou aproveitar o feriado. Duas vidas inteiras interrompidas.

Fatalidades que ceifaram estas duas vidas acontecem todos os dias, mas ainda assim não nos acostumamos a elas e a cada vez que vemos situações como estas, nos sentimos como se fosse a primeira. Apesar disso, nos acostumamos - ou preferimos acreditar - com a ideia de que morreremos de velhos, talvez doentes, sem forças para manter o sopro de vida que nos faz estar no tempo. Acostumamos tanto que lamentamos muito mais a perda dos jovens.

Toda vez que leio uma manchete de jornal que fala sobre um acidente de trânsito, ou que alguém que gosto vai viajar, fico pensando na neura que eu tenho com viagens. Acho que sou a única pessoa no mundo que, a cada vez que vai viajar, arruma o guarda roupas e não sai de casa sem deixar tudo organizado. Tudo isso pelo pavor da ideia de, se morrer no caminho, ao chegar na minha casa as pessoas achem (ou tenham certeza) que sou uma bagunceira :O. Freud explica. E Freud deve explicar também a lógica que está no fato de esta pessoa não ter medo de morrer, mas da imagem que os outros poderão fazer dela baseados no "estado" da casa, mas isto não vem ao caso.

É por isso que fico incomodada quando vejo imagenzinhas no facebook lamentando o fim do domingo e a chegada da segunda-feira, como se a vida só acontecesse aos finais de semana, feriados e férias. Como se estivéssemos impossibilitados de sermos felizes de segunda a sexta, no trabalho ou na escola. Como se quiséssemos abreviar estes dias no calendário.

Ter a vida inteira pela frente não é só ter a perspectiva de viver até os 100, 90, 80 ou 70 anos. Ter a vida pela frente é viver mais 10, 15, 20 anos ou dias, desde que cada momento seja valorizado: O filme, a companhia ou o capítulo do livro lido em casa em um dia de chuva; a conversa com os colegas e o serviço que cada um de nós presta à sociedade enquanto está trabalhando de segunda a sexta; a música boa que está tocando no rádio enquanto estamos presos no trânsito; o aprendizado, ainda que dolorido, do momento da perda. São apenas alguns exemplos de cada fagulha de tempo que pode ser muito bem aproveitado pra termos a "vida inteira pela frente" ainda que só tenhamos alguns instantes a mais.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

A saga da escrivaninha

Costumo dizer que só tenho um lar quando tenho uma escrivaninha. E é verdade. Sou apaixonada por este móvel desde criança, quando dizia que ia ser professora, psicóloga ou secretária. De todas estas profissões, só não fui psicóloga, mas como todo jornalista que se preze, passo boas horas do meu dia neste espaço que, pra mim, é mais que uma mesa de trabalho.
Ter uma escrivaninha onde eu estiver é como demarcar território. Condição pra eu me sentir em casa.

A primeira foi improvisada, no que sobrava do espaço de uma mesa instalada no meu quarto pra acomodar quinquilharias. Me bastava. De repente, de uma hora pra outra, perdi alguém especial, fundamental, e a minha mesa junto, porque os rearranjos do que sobrou da vida não me permitiram ter um quarto, muito menos uma escrivaninha. Mas ela permaneceu na minha memória, não só como um móvel, mas como uma lembrança do tempo em que as brincadeiras eram mais alegres.

O tempo passou e, novamente, ganhei um quarto, e uma TT. Meio antiga, meio capenga, mas que caiu no meu refúgio como uma luva, e passou a ser tão ou mais importante que a minha cama. Depois, veio uma mais moderninha, que combinava com a cor do guarda roupa e que tenho até hoje, mas que de certa forma ficou pra trás.

A presença da escrivaninha é tão importante pra mim que, se não tenho uma, improviso, e já fiz isso duas vezes: a primeira, quando fui trabalhar em uma escola e, tendo que passar a semana fora de casa, carreguei um pedaço de madeira, improvisei umas patas e, tcharãm, eu tinha algo pra chamar de “minha mesa”, no meu quarto. A segunda, foi quando fui morar em Pelotas, em uma pensão, e logo tratei de catar um móvel que pudesse ser travestido de escrivaninha e tcharãm, nem preciso dizer o que aconteceu :D TT :D.

Sou tão aficionada por escrivaninha (e por decoração), que quando estou procurando um apê e vejo as fotos da sala, eu sempre imagino onde eu colocaria a...

E agora, finalmente, depois de um ano em Porto Alegre, mesmo que ainda sonhando com o apê todinho meu, posso dizer que me sinto em casa, porque acabo de comprar algo que pra mim é quase como um ninho. Foi amor à primeira vista, mal pude acreditar quando ela chegou aqui e se instalou na minha sala.

A partir de agora, é a minha companheira fiel neste momento em que tantas mudanças ainda estão acontecendo. Neste momento de tantas alegrias e realizações. É mais uma que me acompanha. Mais uma das que eu me apaixonei quando ganhei, mas que se tiver que deixar pra trás, deixarei, porque nenhuma outra será como a primeira. E se a cada fase da vida tiver que ter uma pra marcar e me acompanhar, que venham muitas escrivaninhas.
A rainha do lar